Não me canso de dizer que vale a pena arriscar na taça e ir além dos Cabernet, Merlot e Chardonnay. Ter à disposição centenas e centenas de castas diferentes equivale à uma ida à Disneylândia para adultos. Uma casta pouco conhecida e muito divertida, por exemplo, é o Refosco de Faedis, que só preencheria a taça dos winelovers do tipo explorador.
Já é um grande marco conhecer o Refosco dal Pedúnculo Rosso, descobrir a casta de Faedis eleva consideravelmente o nível de exploração. Na região italiana do Friuli, muitos gostam de chamá-lo de “Refoscone” por causa da dimensão que pode apresentar o cacho desta uva. Mas não fale isso perto dos produtores locais! No máximo, chame de Refosco Nostrano!
Mesmo com cachos aparentemente vigorosos, a produção deste vinho é ridiculamente pequena. Em 1998, seis pequenos produtores desta denominação tiveram a brilhante ideia de se reunirem sob o conselho do famoso enólogo Emilio Dal Medico para criar aquilo que se tornou o símbolo máximo deste vinho: uma única reserva, com etiqueta igual para todos. A zona de produção interessada compreende as localidades de Attimis, Nimis, Torreano, Tarcento, Povoletto e, naturalmente, Faedis.
O critério de qualidade é severíssimo, os próprios vinhateiros se reúnem duas ou três vezes ao ano para degustar às cegas o vinho candidato à etiqueta compartilhada. Somente se o vinho provar ter o alto padrão qualitativo definido pela associação, poderá ter a marca registrada da exclusiva “Etiqueta Refosco de Faedis”. Caso o vinho não passe, poderá mesmo assim ser engarrafado e vendido com a etiqueta da casa sem menção à reserva da associação. São dois os estilos destes vinhos de “nicho”: a etiqueta branca, que contém a versão jovem e varietal com maturação em cubas de inox, e a etiqueta negra, que requer no mínimo 24 meses em barricas grandes de carvalho de Eslavônia, região geográfica e histórica da Croácia oriental.
Cada etiqueta é distinguida somente pela assinatura do enólogo (vinícola) que o produziu. Não há no mundo um sistema igual. Existem, claro, alguns exemplos de produção mirada e focada num standard de qualidade (por exemplo, os produtores do Carignan do Chile), mas nenhum deles chega ao ponto de ter uma única etiqueta.
A safra de 2017 está saindo a conta-gotas porque após uma primavera catastrófica trazendo fenômenos de geada, veio um verão demasiadamente quente e seco. Para completar o desespero, estamos no período de vindima encharcados por muita chuva. Uma grande pena, calcula-se uma perda de 80% da produção. Mas assim é a natureza, aceita com filosofia pela atual presidente Flavia Di Gaspero (foto abaixo) e os atuais 20 produtores da associação.
Do ponto de vista turístico, Faedis tem muito a oferecer, a partir dos raros vinhedos antigos que formam nove filas com parreiras de 130 anos de idade, sem porta enxerto, autênticos sobreviventes da devastadora filoxera. Podem-se visitar bem três castelos medievais e inúmeras igrejas antigas com restos de afrescos que datam de 1.300!
Fiz uma pequena degustação na adega de Zani (foto acima), que, por sinal, também é o prefeito de Faedis. Aqui estão as minhas notas:
- Etiqueta Branca Zani 2016: sua jovialidade se expressa súbito na tonalidade rubi intensa, seguido por um delicioso nariz de rosas vermelhas e violeta. Esse aspecto floral logo favorece o desejo de experimentá-lo. E realmente é o tipo de vinho que se bebe com facilidade. Seco e com bom equilíbrio, deixa um final de especiarias.
- Etiqueta negra Di Gaspero 2013: depois de alguns anos, a cor já toma uma veste granada. Com certeza o estágio em barricas colaborou para uma maior complexidade no nariz que, além do floral, apresenta também notas frutadas que remetem à uma torta de cerejas e baunilha recém saída do forno. Taninos macios bem integrados num corpo sem excesso. Muito versátil.
- Etiqueta negra Zani 2012: praticamente a mesma componente e intensidade olfativa da safra de 2013, ambos tiveram um verão com poucas chuvas e as uvas chegaram à perfeita maturação. Impressiona o frescor que denota a sua vitalidade.
- Etiqueta negra Zani 2006: vermelho granado com alguns reflexos cor de tijolo. A princípio, apareciam algumas notas terciárias como tinta de caneta e graxa. Depois retornou ao característico aroma de violetas. Na boca, perdeu o seu impacto com pouca matéria apesar de se manter seco e ligeiramente salino.
Sinceramente, deveria ser possível testar outros vinhos dessa idade para verificar se é o efeito do tempo sobre essa casta, mas a conclusão aqui e agora diz que o Refosco de Faedis é um tinto versátil, agradável e fácil de se beber nos primeiros seis anos de vida.