Visitar a Borgonha é um dos itens mais frequentes na lista de sonhos de todo amante do vinho. O centro da França não só é conhecido pelos vinhos de longa guarda, realmente velhos e impressionantes, como também pelo grande número de restaurantes agraciados com a – ainda muito prestigiada – estrela Michelin. De acordo com o próprio guia, a Borgonha abriga 29 restaurantes que fazem parte de sua constelação.
Antes de planejar a viagem de férias, li as dicas aqui no blog sobre como aproveitar um dia na Borgonha, especialmente na cidade de Beaune.
Guiados por Jean Claude Cara, que sempre traz novidades dos vinhos e de outros encantos da Borgonha, que meu marido e eu tivemos um dos jantares mais especiais da nossa vida no restaurante Le Montrachet, um lugar que carrega uma Michelin e uma premiada tradição em vinhos.
Era uma segunda-feira de julho. O bom de viajar para a Europa no verão é que escurece bem tarde, o que nos permitiu ver, na estrada, as diferentes nuances do cair do sol sobre os espaldares verdíssimos de pinot noir e chardonay da linda Côte-d’Or. Esse cenário de filme nos acompanhou até o Le Montrachet, vinícola espetacular por, no mínimo, dois motivos: a simplicidade do local e a grandeza da gastronomia de seu restaurante.
A estrela Michelin que ele tem se justifica desde a recepção, onde fomos atendidos pelo simpático mâitre e encaminhados para um aperitivo no terraço, o que nos permitiu aproveitar o entardecer ao ar livre. Ali, experimentamos o tradicional Kir da Borgonha (não o Royal, que veio mais tarde no história das bebidas, com a visita da realeza inglesa) e uma taça de Bourgogne Chardonnay 2013, domaine Olivier Leflaive, um dos mais pedidos da selecionada carta da vinícola. As bebidas foram acompanhadas por deliciosos gougères – os típicos pãezinhos de queijo servidos de entrada em qualquer restaurante da Borgonha –, terrine de campagne e salmão defumado.
Posso continuar a contar as calorias, digo, as iguarias que surgiram na nossa frente nas três horas seguintes?
Assim que escureceu, fomos para uma mesa redonda em um dos cantos do salão, ao lado de uma janela para o terraço. Nesse lugar privilegiado, tivemos nosso primeiro grande impacto com a tradicional culinária francesa. A entrada chegou borbulhando: era o melhor escargot da vida. Gratinado em manteiga de estragão, foi acompanhado por um François Carillon Puligny-Montrachet 2011, popular vinho desse abençoado pedacinho de terra. Um gole e um minuto de silêncio em nome da Nossa Senhora dos Vinhos Perfeitos. Pra mim, está entre os top três do mundo.
O primeiro prato foi um clássico revisitado da gastronomia da Borgonha. O suprême de poulet veio crocante por fora e desmanchando por dentro, em uma cama de morilles ao molho branco. Os cogumelos, que conheci naquela noite, viraram uma paixão. Fui à procura deles em todo mercadinho de esquina nos quatro dias seguintes que ficamos na região. Combinaram perfeitamente com um amanteigado Puligny-Montrachet Les Chalumeaux 2013, domaine Pascal.
O segundo prato, que veio com um magnífico Clos des Lambrays 2008, foi vitela com agnolotti recheado com pêra e mascarpone, em molho de vinho rosé. Pausa para apreciar o movimento do salão e degustar essa combinação certeira de carne, fruta, queijo e vinho, tudo de uma só vez.
E então chegou a hora incrível dos queijos frescos franceses. Para acompanhar, um grand cru Clos de Vougeot, domaine Bertagna, tinto leve e ideal para harmonizar com as diferentes texturas dos queijos. Aquele carrinho de delícias é das coisas mais maravilhosas da França, nem dá pra estranhar o fato de serem servidos quase como sobremesa.
Falando na sobremesa, a noite não poderia acabar melhor: tarte tatin e mousse de cassis com sorbet de frutas vermelhas.
A comida e os vinhos ficaram ainda melhores graças à engrenagem atenciosa e eficiente da equipe do Le Montrachet. Os inúmeros garçons passaram a noite se revezando entre rolhas e cloches, abrindo e revelando aromas e sabores inesquecíveis. Ah, se toda segunda-feira começasse assim…
Por Maria Paula Letti