Continuo pensando que vinho é uma ótima desculpa para arrumar as malas e voar. Depois de viajar a França, Portugal, Estados Unidos, Alemanha e Itália, achei que fosse a hora de descobrir as novas tendências em terras consideradas improváveis na fabricação de vinhos.
Recentemente, numa degustação às cegas na Associação Brasileira de Sommeliers (ABS) do Rio de Janeiro, experimentei um espumante que possuía um nariz extremamente frutado com notas de nêsperas, abricó e mel. Na boca era bem integrado com efervescência delicada. Dei uma nota de 85, que em concursos internacionais de vinhos já garantiria uma medalha de ouro. O momento da revelação foi surpreendente, não teria suspeitado a proveniência: sudoeste da Inglaterra, na zona de Dorset (vinícola Furleigh Estate).
Com a curiosidade aguçada, consegui agendar uma visita em outra zona, segundo os especialistas locais, mais propícia para a produção vinífera: Sussex. Acho complicado dirigir por conta própria com o sistema de mão inglesa, então a solução era encontrar alguém que me ajudasse a concretizar esse projeto. Foi assim que conheci o Ian da “Fizz on Foot”. Eles oferecem um serviço bem inusitado e divertido: além de acompanhar o cliente nas vinícolas, eles preparam um roteiro para trekking em meio aos belos parques da zona de Sussex. Isso foi determinante para entender o que está acontecendo no mundo dos negócios dos viticultores ingleses!
Caminhando pelo South Downs National Park percebi que a natureza ali é vigorosa, com abundância de águas com córregos que formam mini várzeas. A trekking leader Lucien explicou como o negócio de vinhos está transformando a economia local. Foi um produtor recentíssimo (Rathfinny Wine Estate) quem começou implantando vinhedos em 2010 e espera produzir 1 milhão de garrafas até 2020, com encomendas fechadas em “primeur“ para o Leste asiático! Durante o passeio, passamos por um enorme campo no alto de uma colina delimitada por uma cerca de amoras aonde pastavam ovelhas. Ali, os donos da fazenda pensam em iniciar um vinhedo. Na Inglaterra há um ditado que diz: “onde crescem amoras, cresce qualquer coisa”.
Os ingleses alegam afinidade do solo local com aquele do Champanhe, na França. Sim, mas em parte. Não é só gesso e calcário, o terreno é bem misturado, há línguas de argila que retêm bastante água (meus tênis de trekking afundaram no barro…) e outras zonas de arenito com fósseis.
Apesar de ainda ser bastante recente, a produção local de vinhos está, aos poucos, caminhando em direção a um reconhecimento oficial. A zona de Sussex está prestes a ser reconhecida como PDO, praticamente uma versão do AOC francês ou DOC italiano. São dominantemente cultivadas as clássicas uvas do Champanhe: Chardonnay, Pinot Noir e Pinot Menier. Com certeza o know-how dos concorrentes Além-Mancha ajudará a alcançar um patamar superior de qualidade. Não é à toa que produtores como Taittinger e Pommery se prontificaram em investir na área.
Não duvido que o aquecimento global tenha mérito nessa tendência anglo-saxônica. O clima inglês é bizarro, com viradas meteorológicas imprevisíveis, mas é inegável o fato que a temperatura média subiu o suficiente para permitir esse fenômeno.
O passeio se concluiu com uma degustação no Court Garden Vineyard, vinícola artesanal familiar que plantou suas primeiras vinhas em 2005 e produz cerca 25 mil garrafas por ano. Os espumantes que mais impressionaram foram o Rosè Milésimo 2013, com notas frutadas de mirtilo vermelho, flor de sabugueiro e amêndoas torradas, boa estrutura, delicadamente salino e borbulhas finas; e o Blanc de Blancs, excepcionalmente floral, bom equilíbrio de acidez e açúcares.
E tem mais! Estão votando qual será o nome que irá identificar o English Sparkling Wine. No momento está liderando o nome “English Fizz”. Portanto, para estar em dia com as tendências do momento, digamos: adeus chá das 5, bem-vinda taça de English Fizz!